Conversa de circunstância: vamos falar sobre o tempo?

Por: Joana Andrade Nunes
05/04/2023

Conversa de circunstância, para quê?! Não tenho interesse, nem paciência, para falar sobre o tempo, nem sobre trivialidades.

Para todos os leitores que já ouviram — ou se revêem — neste comentário, partilho a minha reflexão sobre a importância de dominar a Arte de estabelecer e fomentar a incompreendida conversa de circunstância. 

Se acredita que conversa de circunstância é, tão, só, falar sobre o tempo, talvez não tenha tido oportunidade de refletir sobre o poder que esta representa.

Congressos, conferências, reuniões, almoços, jantares, eventos de networking ou, simplesmente, uma viagem, são exemplos de ocasiões em que dominar a arte de estabelecer conversa de circunstância se revela particularmente útil. 

Quando partilhamos o mesmo local com alguém que não conhecemos, ditam as regras de boa convivência social que se estabeleça conversa casual (de circunstância) com quem partilha o mesmo espaço. Desta forma, quebramos o gelo e o silêncio que, tantas vezes, se revela ensurdecedor dando o primeiro passo para conhecer o outro. 

A conversa de circunstância é o primeiro passo para que possamos identificar traços comuns para que, de seguida, possa ter lugar um nível de conversação mais profundo, caso seja adequado e do interesse de ambos. 

Joana, que interesses poderemos ter com pessoas que não conhecemos?

Este é um “entrave” clássico que muitos clientes partilham comigo.  

Para responder a esta questão, refletamos, brevemente, sobre dois aspetos. 

Provavelmente, também integrará na sua rede de contactos pessoas interessantíssimas que conheceu em lugares improváveis e sem ter planeado essa conexão, nem o(s) tema(s) de conversa que iria abordar. Não devemos, como tal, menosprezar o poder que a conversa de circunstância tem ao permitir que conheçamos pessoas que enriquecem a nossa rede de contactos.

Dependendo do local e do evento em causa, seguramente há um (ou vários) pontos que aproximam todos os presentes.

Quando partilhamos o mesmo congresso, é provável que tenhamos uma área de formação comum ou, pelo menos, interesse na temática abordada. Poderemos, também, partilhar uma relação profissional com o anfitrião ou com os patrocinadores do evento e, por essa razão, estamos no mesmo evento, ainda que com interesses profissionais não coincidentes. 

Se estamos no mesmo evento de networking, provavelmente temos interesses profissionais comuns ou objetivos profissionais que serão potenciados, direta ou indiretamente, naquele evento.

Por fim, quando somos convidados para o mesmo jantar (social ou profissional), provavelmente o anfitrião do evento é o (ou um dos) ponto que os une e descortinar a conexão comum poderá ser o mote para quebrar o gelo com quem desconhecemos. 

A conversa de circunstância é, como tal, o primeiro nível de conversação que, sendo inócuo de considerações ideológicas, religiosas  ou políticas, nos permite dar o primeiro passo para estabelecer e desenvolver um diálogo com um desconhecido. 

Podemos falar sobre meteorologia sem qualquer problema — o estado do tempo não deixa de ser um tema clássico e funciona, muitas vezes, como mote para quebrar o gelo — mas não circunscrevamos a conversa de circunstância ao tempo. 

Se estivermos num evento profissional, a conversa de circunstância poderá iniciar-se perguntando ao interlocutor se já frequentou o evento noutras edições, se conhece o anfitrião ou quais são os painéis que lhe suscitam particular interesse.

Também esteve no congresso do ano passado? Que painéis recomenda esta tarde? O que achou do grupo de jazz que atuou no jantar do ano passado?“

são exemplos que abrem caminho para começar a conhecer o seu interlocutor dando-lhe a conhecer, de imediato, que não é estreante nestas lides.  

O local onde decorre o evento poderá, também, ser o mote para uma longa conversa. As características arquitetónicas do edifício no qual decorre o evento, decoração, peças de mobiliário que se destaquem, uma obra de arte, entre outros, são excelentes temas para quebrar o gelo e iniciar uma conversa simpática, empática, sem ser intrusiva. 

Para dominar a arte de bem conversar, evite colocar perguntas fechadas, ou seja, perguntas cuja resposta seja, simplesmente, “sim” ou “não” pois tal não lhe permitirá desenvolver a conversa. Assim, substitua-as por perguntas abertas permitindo ao interlocutor apresentar a sua opinião e descortinar pontos comuns.

No contexto de um congresso, a  clássica pergunta

Gostou do painel que encerrou a manhã?

 deverá ser substituída por

Que pontos/reflexões apreciou, particularmente, no painel que encerrou a manhã?

Para não colocar uma “bomba atómica” na conversação que acabou de se iniciar, coíba-se de abordar temas de cariz ideológico, político, religioso, sexual ou que, por si, sejam controversos, em toda e qualquer acepção. E, claro, é sempre adequado (re)lembrar que tecer comentários sobre o aspeto físico do seu interlocutor é absolutamente proibido, independentemente de estar repleto de boas intenções. 

Aproveite ocasiões de menor formalidade, sem carácter técnico-científico, para abordar temas que possam contribuir para identificar interesses comuns: que exposições gostava de ver ou rever;  que peças de teatro estão em cena, os últimos livros que leu e que o marcaram, que espaços icónicos da cidade/ país em que se encontram merecem ser visitados. Estes são alguns exemplos de temas iniciais que lhe permitirão iniciar e fomentar a conversa de circunstância, encaminhando a mesma para os pontos que têm em comum. 

Se perceber que o seu interlocutor é apaixonado por literatura e for um interesse comum, o nível de conversa pode ser aprofundado com base neste tema e, assim, contribuir para uma conversa que poderá estreitar laços; se, pelo contrário, o seu interlocutor não demonstra o mínimo interesse na biografia que está, efusivamente, a partilhar, altere o tema tentando descobrir um ponto comum. 

Só passando pelo crivo proporcionado pela conversa de circunstância é que, perante terceiros com os quais (ainda) não temos ligação, poderemos iniciar uma nova caminhada comunicacional.

A conversa de circunstância não é, apenas, falar sobre o tempo: é uma Arte que nos permite transformar um desconhecido num conhecido e, quiça, mais tarde, num amigo. 

Artigo publicado, originalmente, na Executiva aqui.

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