Está sentada no seu gabinete, concentradíssima a terminar o último relatório de contas, e, de surpresa, o seu chefe aparece. Num ar descontraído — e com uma boa dose de charme — indica-lhe prontamente: Leonor, deixe-se estar; não se incomode! Não tem de se levantar para me cumprimentar.
Os 15 anos de “senioridade” que a caracterizam, criaram-lhe, de repente, um dilema: tenho de me levantar quando o meu chefe entra no meu gabinete — em particular quando é (bem) mais novo?
Este é o mote para responder àquela que tem sido “A” pergunta do momento: os privilégios femininos ainda têm lugar no século XXI? E de que “privilégios femininos” — tão mal fadados — falamos?
Tal como tenho sustentado, é absolutamente fundamental analisar o contexto concreto discernindo se se trata de um ambiente social ou, pelo contrário, profissional para descobrir qual a regra a aplicar. Pergunta-me: porquê? Saber estar, saber tratar — e dar o devido tratamento — não é transversal a toda e qualquer ocasião?
Se já teve oportunidade de ler os artigos que tenho partilhado aqui, sempre que esteja em causa uma relação profissional, a igualdade de género tem aplicabilidade. Como tal, as regras de etiqueta social que atribuem à mulher um papel diferenciado não têm, aqui, aplicabilidade. O mesmo sucede aquando da aplicação das regras de protocolo: as precedências são estabelecidas de acordo com o papel que cada interveniente representa na organização, não tendo em conta (em primeira linha) a idade nem o género.
Como tal, homens e mulheres estão no mesmo plano de igualdade sendo diferenciados em função da sua posição profissional, contrariamente ao que sucede(ia) socialmente . Relembro-lhe que, profissionalmente, a idade e o género apenas são tidos em conta para distinguir dois intervenientes com a mesma hierarquia profissional.
Tendo em conta que as regras de etiqueta profissional e as regras de protocolo não são totalmente coincidentes com as regras de etiqueta social — as quais atribuem um papel privilegiado ao público feminino — no contexto profissional, nós, mulheres, devemos ser tratadas de acordo com o papel que representamos na nossa organização. Tal poderá implicar que fiquemos na ponta da mesa, no pior lugar da mesa — de reunião ou de refeição — que ninguém nos auxilie a vestir ou a despir o sobretudo de inverno e, claro, que tenhamos de nos levantar para cumprimentar um elemento do sexo masculino — ainda que mais “jovem” — sempre que este ocupe um lugar hierarquicamente superior. Significa, também, que, enquanto anfitriãs, assumamos a plenitude das responsabilidades. A título de exemplo, no âmbito de uma refeição, escolhemos o vinho, damos início à refeição e, claro, pagamos a conta.
O que acabei de referir é apenas um pequeno exemplo de algumas regras de etiqueta profissional que contrariam o que, socialmente, era estabelecido como o “núcleo” duro dos privilégios femininos: uma senhora nunca ficava na ponta da mesa nem ficava no pior lugar; não escolhia o vinho; não pagava a conta e, claro, não tinha de se levantar para cumprimentar.
Se lê este artigo atentamente, seguramente reparou que escrevi, premeditadamente, “era estabelecido”. Não foi, de todo, inocente. As regras de etiqueta social são o espelho do que cada sociedade entende como sendo o comportamento adequado para com o outro demonstrando respeito, consideração e gentileza. Acompanham, como tal, o novo modus vivendi sob pena de perderem o sentido útil. Tal significa que, atualmente, socialmente uma mulher pode convidar um homem para jantar; pode escolher o vinho; pode pagar a conta e, claro, conduzir o carro levando o amigo, o namorado, o companheiro, o marido, ou, quiçá, o seu chefe a casa. Que pode oferecer flores a um homem e que, por sua vez, pode ser presenteada com o seu vinho de eleição.
Igualdade significa tratar o outro de forma igual na medida da diferença. Significa que homens e mulheres estão no mesmo plano devendo, contudo, ser respeitadas as diferenças inerentes ao género e à individualidade de cada um.
Se, por várias razões, se entender que uma mulher deve ser “poupada” ao pior lugar na mesa, qual a razão para não o fazer? Se um colaborador se prontificar a ajudar a vestir o casaco, qual a razão de não agradecer a pronta ajuda? Se lhe abrirem a porta para entrar, porquê continuar a demonstrar um ar de desagrado?
Protocolarmente, só quem tem precedência é que a pode ceder; como tal, se um homem ou uma mulher lhe indicar para passar em primeiro lugar — ou para ficar no lugar mais “simpático” do que aquele que lhe era devido — agradeça e siga em frente — ou sente-se sem hesitar.
Acredito que, atualmente, “o tema” passa por perceber o quão preparadas estão as novas gerações para estar, devidamente, no mundo profissional e social. Se sabem tratar e dar o devido tratamento; se sabem manusear os talheres; se sabem comportar-se à mesa; se sabem sentar-se; se sabem apresentar; se sabem, tão só, estar.
Como tal, sempre que alguém a presentear com um gesto de cortesia, aprecie o momento pois temo que, brevemente, possa passar “a facto histórico” dado o puro desconhecimento dos mesmos que, diariamente, é demonstrado pelas novas gerações.
Artigo publicado, originalmente, na Executiva aqui.